ARISTÓTELES (384 a.C. – 322 a.C.)
 


Jacy de Souza Mendonça é Livre Docente em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex-professor de Filosofia do Direito do curso de Pós-graduação (strictu senso) da PUC-SP.


O terceiro e provavelmente o maior gênio da tríade de filósofos gregos nasceu em Estagira, na Macedônia, colônia jônica às margens do mar Egeu, então ocupada pela Grécia. Não conheceu Sócrates, que falecera dezesseis anos antes de seu nascimento, mas foi discípulo de Platão durante 20 anos, desde os 18 anos de idade e, junto com seu mestre, durante longo período, participou do misticismo e atuou com ele como professor na Academia. Foi o único discípulo que deu sequência às ideias dele, mas, embora amigo dele, era mais amigo da verdade como afirmava:

 

Quando se trata de defender a verdade, é melhor e até necessário, principalmente para um filósofo, ou seja, para um amigo da sabedoria, destruir aquilo que temos de mais caro no coração; é como se tivéssemos que optar entre dois amigos: o dever sagrado é preferir a verdade  (Et.Nic., 1.I. c.4.,1096 a 2).

 

Aceitou, de início, as ideias de Platão; rejeitou, porém, os aspetos místicos e poéticos, a sociedade comunista e o dualismo da doutrina das ideias, que, para ele, deixam de ser transcendentes às coisas para serem formas imanentes a elas; não se encontram em um inexplicável mundo próprio, mas devem ser buscadas nas coisas. Seus temas preferidos foram a imortalidade da alma e a existência de Deus.

 

Foi preceptor de Alexandre Magno (343-342 a.C.), quando este tinha 13 anos de idade, na Macedônia. Com a morte de Platão, pensava sucedê-lo na Academia, mas, preterido, provavelmente por sua origem macedônica, retirou-se de Atenas, para onde só retornou em 335, quando fundou o Liceu, em uma área arborizada onde podia dialogar com seus discípulos caminhando, sendo, por isso, conhecidos como peripatéticos. Aí lecionou durante 12 anos. Depois da morte de Alexandre, desencadeou-se em Atenas um movimento antimacedônico no qual foi envolvido. Acusado de impiedade, como ocorrera com Sócrates e Anaxágoras, e temendo sofrer o mesmo destino de Sócrates, abandonou a cidade em 323 a.C. e retirou-se para a Calcídia, na ilha de Eubea, onde tinha uma propriedade herdada de sua mãe. Aí faleceu 2 anos mais tarde, aos 62 anos de idade.

 

Constitui difícil tarefa expor o pensamento aristotélico em virtude de sua amplitude e complexidade. Por isso, essa exposição limita-se a apontar algumas coisas a respeito dele.

 

Alguns de seus escritos da juventude perderam-se; eram normalmente obras literárias, como nos dá notícias Cícero. Os restantes são anotações destinadas a aulas ministradas no Liceu, algumas exclusivamente para os alunos (acroamáticas) e outras para o público em geral (exotéricas).

 

Com ele, a filosofia grega atinge a maturidade e, sem ele, inicia a decadência. Sua obra, todavia, perdura através dos tempos parecendo, como disse Cícero, um rio de ouro da oratória. Bertrand Russel lembrou que, só dois mil anos após sua morte começaram a aparecer filósofos comparáveis a ele. Em Metafísica, ainda hoje é utilizada até a terminologia desenvolvida por ele.

 

         Kant qualificou-o como o pai da Lógica (Organon), afirmando que a Lógica Formal começa e termina com ele.

 

Aristóteles entendia que objetivo da Lógica era ensinar a raciocinar;

 

pelo raciocínio, estabelecidas certas afirmações, outras, diferentes, são deduzidas necessariamente delas (Top., 1, 108 a 18).

 

         Em um dos livros que integram o Organon estudou as Categorias (ou predicamenta) do conceito: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, ação, paixão, estado e posse. Kant valeu-se desse estudo em sua Crítica da Razão Prática, afirmando, ao contrário de Aristóteles, tratar-se de categorias subjetivas e não objetivas, sustentando, a partir daí, a subjetividade do conhecimento humano.

 

Cada palavra, fora do nexo do discurso, significa ou a substância, ou a quantidade, ou a qualidade, ou a relação (onde, quando, a situação, o hábito, a atividade ou a passividade). Substância é, por exemplo, homem, cavalo; quantidade, por exemplo, de dois ou três metros; qualidade, branco, gramático, relação, duplo, médio, maior; onde, no Liceu, na praça; quando, ontem, no ano passado; situação, deitado, sentado; hábito, calçado, desarmado; atividade, corta, queima; passividade, é cortado, é queimado (Categorias, 4, 1).

 

         Em uma obra, Aristóteles estuda a definição, sua importância e natureza.

 

Definição é uma frase que expressa a essência de algo (Top., 5, 101 b, 20).

 

         Em outra, cuida da interpretação, que julgava importante para a manifestação do pensamento.

 

Os Primeiros Analíticos, têm por objeto o silogismo e a indução, caminhos do conhecimento humano que, do dado particular, marcha em direção ao conhecimento do geral. Também a demonstração, a técnica oposta, de ir do conhecimento geral até chegar ao particular. Apesar disso, os comentaristas o acusam de ter se preocupado com a indução de forma insuficiente.

 

Tema fundamental dos Segundos Analíticos é o estudo dos primeiros princípios. O princípio de identidade e não contradição, o de razão suficiente e de causalidade e, a final, o princípio de finalidade.

 

O conhecimento supremo é relativo aos primeiros princípios e às primeiras causas, porque é graças a esses princípios e a partir deles que tudo o mais é conhecido, e não o inverso (Met. I 1 982 b).

 

         Uma afirmação que reforça a crítica contra seu interesse maior pela dedução, em detrimento da indução.

 

         Na Tópica, destaca a necessidade de o pensamento apoiar-se em algumas verdades indiscutíveis (topoi), para prosperar. Entre essas verdades destacam-se os primeiros princípios.

 

É descabido buscar o porquê e as razões dos primeiros princípios (Tóp., 100 b, 18).

 

         Esses princípios são evidentes por si mesmos

 

É impossível que o mesmo atributo pertença e não pertença, ao mesmo tempo, ao mesmo sujeito, sob a mesma relação (Met., III, 3, 1005 b, 20);

 

e é até absurdo tentar demonstrá-los:

 

alguns filósofos, certamente, exigiam uma demonstração desse princípio, mas isso resulta de uma grosseira ignorância (...) pois é absolutamente impossível demonstrar tudo (Met., III, 4, 1006 a, 35).

 

         Mas não só os primeiros princípios fundamentam o conhecer. Há outras verdades nas quais a persuasão se estriba; são

 

opiniões prováveis, admitidas por todos, pela maioria ou pelos sábios e, entre estes, por todos, pela maioria ou pelos mais notáveis e ilustres (Tóp., 100 b, 21 e sgs).

 

         A persuasão para em sua regressão à evidência quando se depara com uma dessas verdades inquestionadas. O jurista não necessita regredir ao faz o bem e evita o mal para demonstrar a justiça ou injustiça de uma situação. Basta-lhe encontrar no caminho de sua reflexão um dispositivo de lei ou de sentença que assim o afirme.

 

         A Tópica estuda ainda o ser, suas propriedades e acidentes:

 

propriedade do ser é um predicado que não indica sua essência, todavia pertence exclusivamente a ele (Tóp., 1, 102 a, 15);

 

acidente é algo que, não sendo uma definição, uma propriedade ou um gênero, pode pertencer ou não à coisa (Tóp., 1, 5, 102 b, 5).

 

Em outra obra integrante do Organon, estuda Aristóteles o sofisma – afirmação de uma verdade aparente, mas realmente um engano. A preocupação, aqui, não é com a ideia, mas com o juízo e a relação entre juízos, que forma o raciocínio. Nem importa o conteúdo verdadeiro ou falso deste; o que se estuda é a correção da forma de montá-lo.

 

Estuda mais a intuição sensorial, ponto de partida do conhecimento humano, bem como a intuição intelectual, seu objetivo final na busca da verdade. Todo o conhecimento se inicia pela experiência (intuição sensorial) e culmina na intuição intelectual, no encontro com a verdade.

 

Uma das tônicas do pensamento aristotélico é a valorização do princípio de finalidade. Em Física, os seres se distinguem e se explicam pela busca de sua finalidade natural. Na Ética, a ação boa é aquela que está em conformidade com os fins da natureza humana. Na Metafísica, o ser é bom, busca o bem por natureza. Em Teologia, Deus é o bem absoluto e como bem e fim se confundem, é também o fim absoluto.

 

Aristóteles interessou-se também pelo estudo da ciência, que incluiria o mundo físico, a alma, e até o dado do absoluto. Está claro que sua visão científica, apesar de ter deixado escritos memoráveis nesta área, está limitada aos dados disponíveis na ciência de sua época.

 

No fenômeno científico, encontrou o perpétuo vir-a-ser, que tanto interessara a pensadores que o antecederam; encontrou o ser em si mesmo sujeito à mudança; encontrou a transformação e a evolução na natureza das coisas. Em Biologia, como se vê do primeiro livro da Metafísica, analisou o conhecimento dos animais e o fato de eles apreenderem o quê, mas não o porquê das coisas.

 

Por natureza, os animais são dotados de sensação que, em alguns, engendra a memória e em outros não (Met., 1, 980 a, 25).

 

Por isso os animais, diferentemente dos homens, vivem reduzidos às imagens e às lembranças (Met., 1, 980 b, 25).

 

         Suas lições de Psicologia constituem o conteúdo da obra De anima, na qual estuda a alma, sustentando, como Platão, sua imortalidade (Met., 1, 1070 a, 25), rejeitando, todavia, ao contrário de Platão, tratar-se de uma substância. Para ele, a alma é forma da substância corpórea.

 

A alma, essencialmente, é aquilo em razão do qual nós vivemos, percebemos e pensamos; daí que ela seja noção e forma, não matéria e substância (De Anima, II, 2, 414 a, 10).

 

Aristóteles não partiu, como Platão, da aceitação de um número limitado de almas, mas da afirmação da alma como forma do corpo, por isso não estava obrigado a aceitar a teoria da metempsicose que até rejeitou, ao contrário de seu mestre.

 

         Na De Anima, Aristóteles estuda diversos tipos de alma que seriam forma dos corpos: a alma vegetativa (forma dos vegetais), a sensitiva (específica dos animais) e a racional (ou humana). Estuda mais as funções da alma: o intelecto passivo, que recebe as sensações; o intelecto ativo, que elabora os dados da sensibilidade; os sentimentos de prazer e dor, que acompanham as experiências do homem; e a vontade, que busca o bem como sua finalidade, que busca a felicidade.

 

         Os trabalhos de Aristóteles sobre a Matemática foram perdidos. Neles estudava o ser em si mesmo não sujeito à mudança (a quantidade, o número), um ser não existente (abstrato).

 

         A obra monumental de Aristóteles, no entanto, brilha em sua Metafísica, que ele denominava Filosofia Primeira. Nela estudou o ser em si, suas causas e princípios, no em que foi inigualável. Até hoje quem estuda Filosofia parte ou até limita-se às suas lições.

 

Há uma ciência (a Filosofia Primeira) que estuda o ser enquanto ser e os atributos que lhe pertencem essencialmente (Met., IV, 1003 a 20)

 

É evidente que a Filosofia Primeira trata do conhecimento das causas primeiras, pois entendemos que só conhecemos as coisas quando conhecemos sua causa primeira (Met., I, III, 25, 983).

 

A ontologia, para ele, estrutura-se como ordem determinada por um espírito que a estabelece. Por isso, bisando Platão, elogia Anaxágoras, que teve a mesma visão:

 

Quando um homem afirma que na natureza a ordem e o concerto universal são criados por uma inteligência, ele se revela como o único pensador de bom senso diante das divagações de seus predecessores (Met., I, III, 984 b, 15).

 

Substância, potência e ato, mundo e Deus, assim como tempo e espaço formam o conteúdo de suas investigações na Filosofia Primeira. Essas duas últimas realidades não são também subjetivas, como virá a afirmar Kant, mas objetivas: tempo é a medida do movimento (Fís., 220 a 3) e espaço a medida das coisas (Fís., 211 b 14).

 

A natureza é o reino do movimento, determinado por sua causa eficiente e regido pelo princípio de finalidade.

 

O ser em si é mutável, expressa-se como devenir, que resulta do movimento, desenvolvimento ou câmbio; este depende de um motor externo e estranho a ele, que transforma sua potência (possibilidade de ser) em ato, ou acabamento no ser.

 

Tudo o que se move é movido por outro (Fís., VII, I, 241 b 24; VIII, 4; VIII, 5, 258 b 4-5); e

 

ensinar é apontar a causa das coisas (Met., I, I, 981, b.28).

 

A passagem da potência ao ato, que é o movimento intrínseco do ser, leva Aristóteles a refletir sobre a teoria da causalidade, que sistematiza e utiliza como fundamento de suas ideias. A divisão das causas foi feita em sua Física e reiterada no livro I da Metafísica; a denominação de cada uma delas não elaborada por ele, mas pela escolástica, todavia, na Metafísica estão presentes as definições de cada uma delas: a causa eficiente, ou a ação de terceiro que dá origem ao movimento, à transformação no ser; a causa material, ou aquilo de que é feito algo; a causa formal ou modelo utilizado para sua criação; e a causa final, para o que algo é feito.

 

Entre as grandes lições deixadas por Aristóteles destacam-se as relativas à Teoria do Conhecimento, na qual contestou seu mestre Platão. Lembre-se o pensamento deste, segundo o qual as ideias não seriam geradas na inteligência do homem, mas preexistiriam às coisas e seriam apenas relembradas por ele.

 

Para Aristóteles, o conhecimento inicia-se pela sensação, que lhe fornece a realidade em sua individualidade – a imagem; esta, depois de trabalhada pelo intelecto agente, leva aos universais.

 

A sensação tem por objeto os seres individuais, enquanto a ciência trata dos universais (De Anima, II, 5, 417 b, 20).

 

Não aceitamos o produto das sensações como sabedoria, embora elas nos forneçam os conhecimentos mais autorizados sobre as coisas individualmente consideradas; mas elas não nos informam sobre o porquê de nada. Por que, por exemplo, o fogo é quente. As sensações limitam-se a constatar a temperatura (Met., I, 1, 981 b. 10).

 

Segundo Platão, os universais seriam realidades diferentes das coisas sensíveis (...) a que deu o nome de ideias, dizendo, por outro lado, que elas são separadas das coisas sensíveis e anteriores a elas (Met., I, 6, 987 b 5).

 

         Com isso não se conformava Aristóteles, para quem as ideias são apreendidas pela inteligência humana a partir do contato com a realidade. O filosofar inicia-se, então, quando o homem se assombra porque as coisas sejam como são.

 

O homem começa por espantar-se de (admirar) que as coisas sejam como são (Met., I, 2 11, 983 a).

 

Antes do contato do homem com as coisas, não haveria conhecimento. Seu intelecto estaria vazio:

 

seria como uma tábua encerada na qual nada está escrito (De Anima, 430 a 30).

 

         A partir daí dá-se a intuição sensorial. Os sentidos registram o dado experimentado, que é por natureza inteligível, ou seja, suscetível de ser apreendido pela inteligência humana; esta é inteligente, ou seja, apta a apreender a inteligibilidade do dado, que servirá, então, de matéria prima para o trabalho do intelecto agente.  O processo da abstração consiste em desconsiderar os aspectos individuais ou gerais do dado, suas características e circunstâncias, para ficar apenas com o que nele há de universal – seu conceito,  sua ideia. Esta é a lição que emerge do De Anima. A matéria, ou princípio material das coisas, é incognoscível;

 

A matéria, em si mesma, é incognoscível (Met., VII, 10, 1036 a 9).

 

O que apreendemos no processo abstrativo é o princípio formal, a forma das coisas, aquilo que faz com que elas sejam o que são e as distingue de outras. Nem só a noite negra da matéria nos é vedada; também a plenitude luminosa do Absoluto. Deus, como escreveu Santo Tomás ao concluir sua monumental Suma Teológica, continua sendo o supremo desconhecido. São os limites do conhecimento humano.

 

Assim como ocorreu com Platão, Aristóteles, apesar do paganismo do mundo em que vivia, encontrou Deus em seu filosofar, a ponto de afirmar que Metafísica é Teologia; e encontrou Deus a partir de suas reflexões sobre a natureza.

          

A noite e o caos não devem ter existido desde toda a eternidade (Met., V, 6, 1072 a 5).

 

E como tudo aquilo que se move, tudo aquilo que passa da potência ao ato de ser pressupõe um motor extrínseco que o mova; e como o motor primeiro deva ser um ato puro, uma potência já realizada,

 

deve necessariamente existir uma substância eterna e imóvel (Met., V, VII, 1071 b4).

 

Como o ente só pode surgir do ente (jamais do nada), ele não surge – é eterno,

 

é um motor imóvel, eterno, uma substância e ato puro (Met., V, VII, 1072 a 25).

 

Não é uma ideia, mas uma substância por excelência,

 

um ser necessário e, enquanto necessário, é o Bem e, desta forma, é o princípio (Met., V, VII, 1072 b 10);

 

um ser vivo, eterno e perfeito (Met., V, VII, 1072 b, 29);

 

cuja substância coincide com sua unidade (Met., XIV, 4 1091 b, 10);

 

é a inteligência suprema que pensa a si mesma, pois não há nada mais excelente – e seu pensamento é o pensamento do pensamento (Met., V, 9 1074 b, 39).

 

Por isso encantou-se com o pensamento de Anaxágoras e cantou Deus com todas as suas forças:

 

O primeiro motor é absolutamente imóvel, totalmente em ato, e não pode, de forma alguma, ser diverso do que é (...); é, portanto, necessariamente, um ente e um princípio, de necessidade absoluta (...); de tal princípio dependem o céu e a natureza (...). Se, pois, Deus está sempre sob essa perfeitíssima condição (...) é, certamente, digno de admiração (...) Assim afirmamos que Deus é o ser ótimo e eterno, nele é a vida e sua duração é contínua e eterna. (Metaf., XI, 7).

 

A segunda grande obra de Aristóteles, depois da Metafísica, tem como objeto a Ética e está dividida em três trabalhos: a Ética a Nicômaco, a Ética a Eudemo e a Grande Ética. A primeira delas é a mais importante e a última é uma síntese das primeiras. O título revela sua destinação pedagógica, pois Nicômaco era o nome de seu filho. A obra foi revista várias vezes, revisões estas destinadas a cursos diferentes; por isso, para inúmeros itens há duas ou três versões.

 

Ele empregava o título de Ética (derivado de etos, ou costume em grego), equivalente a Moral (de mos, moris, em latim), como Cícero utilizou (quia pertinet ad mores).

 

O pensamento aristotélico sobre ética é tangido pela ideia de finalidade, pois, para ele, bom é o comportamento conforme aos fins da natureza humana. Bem e fim, portanto, confundem-se, como veio a afirmar mais tarde a escolástica. Está já na abertura de sua obra:

 

o bem é aquilo para o que todas as coisas tendem (Et. Nicom., I, I 1094 a 1),

 

embora, no plano moral, muitas o vezes o mal possa ser tomado por bem:

 

caráter próprio do homem em relação aos outros animais é ser o único que tem a percepção do bem e do mal, do justo e do injusto (Política, I, 2, 1253 a, 15).

 

todo desejo tem um fim como objeto; mas resta um problema a resolver: aos olhos de uns o objeto é o bem e, aos olhos de outros, é aquilo que parece ser o bem (Et. Nicom., III, 4, 1, 1113 a 2);

 

a massa busca o prazer como se ele fosse sempre um bem e foge do desgosto como se ele fosse sempre um mal (Et. Nicom., III, 6, 33, 1113 a 6).

 

         Esta é a mesma observação de Platão no Menon, segundo a qual todos desejam unicamente o bem, mesmo aqueles que praticam o mal, pois o fazem considerando-o um bem.

 

                  Aristóteles era contra a ideia do determinismo:

 

é graças a nós mesmos que somos virtuosos (nós somos, com efeito, em certa medida, causa ao menos parcial de nossos hábitos e como somos feitos por nossos hábitos, possuímos tal ou qual fim) e é também graças a nós mesmos que somos viciosos (Et. Nic., III, 1114 b 21).

 

Em seguida, dedica longos trechos da Ética a Nicômaco ao estudo das virtudes, que entende como acabamento, plena realização de nossa natureza.

 

         Duas são as espécies de virtudes: as intelectuais (dianoéticas), ou virtudes do pensamento, com o a sabedoria; e as virtudes do caráter, do agir moral, como a prudência e a justiça.

 

Chamamos algumas virtudes de virtudes do pensamento e outras de virtudes do caráter: o filosofar, a rápida compreensão, a sabedoria, são virtudes do pensamento; a liberalidade e a temperança são virtudes do caráter (Et. Nic., III, 1103 a 3).

 

No que concerne à virtude do pensamento, é à aprendizagem que ela deve, principalmente, seu nascimento e seu progresso. Desta forma ela necessita de experiência e tempo. Já a virtude do caráter é fruto do habito e também deste, ligeiramente modificado, tira o seu nome (Et. Nic., II, 1103 a 14).

 

Repete-se com frequência a expressão in medio est virtus, atribuindo-a a Aristóteles, isso porque ele colocava a virtude da coragem entre dois extremos: a covardia e a imprudência; também a liberalidade entre a avareza e a prodigalidade; o amor próprio entre a vaidade e a humildade; e, enfim, a modéstia entre a timidez e o ódio.

 

Um dos temas que seduz Aristóteles é o da amizade. Mais do que isso, a amizade perfeita, que ele só encontra entre os bons.

 

Amizade perfeita é a dos homens bons e afins na virtude (Et. Nic., VIII, 3, 1156 b).

 

Por isso entende ser impossível ter muitos amigos, bem como ter amigos que ocupem posição social superior.

 

A forma finalística do pensamento aristotélico levou-o necessariamente à busca do fim último do homem enquanto homem, o que ele encontrou na felicidade resultante da prática das virtudes, confrontando-se assim com o hedonismo. No mundo pagão em que vivia, não tinha condições de buscar muito mais.

 

A felicidade é uma atividade da alma em conformidade com a virtude perfeita (Et. Nic., X, 7 1177 a 9).

 

A felicidade é ao mesmo tempo o bem supremo, a beleza suprema e o supremo prazer (Et. Nic., 1099 a 7).

 

         O que gera essa felicidade é a ação conforme à virtude, é a fundamentalmente a contemplação filosófica:

 

Todos aceitam que a felicidade inclui certa dose íntima de prazer. Ora, a coisa mais prazerosa entre as atividade virtuosas, todos concordam, é o filosofar (Et. Nic., X, 7 1177 a 22).

 

Os estudos de Política de Aristóteles foram certamente influenciados pelas condições em que se encontrava Atenas: a derrota para a Macedônia, a decadência da ideia de cidade-Estado e o surgimento do imperialismo. Estudou 158 textos constitucionais que chegaram às suas mãos, provavelmente procedentes de Alexandre; esse trabalho foi perdido no tempo, com exceção das reflexões sobre a Constituição de Atenas.

 

Interessava-se, porém, não diretamente por esses dados experimentais e sim pelas ideias fundamentais que eles desvelavam, pela filosofia neles oculta.

 

Seu ponto de partida em Política era, então, a natureza humana.

 

O homem é um animal político (Política, I, 2, 1253, 5).

 

         Entenda-se: o homem não é solitário, mas solidário; não vive, mas convive; depende do outro, por natureza. Depende da polis. A consciência moral leva-o à convivência:

 

o conjunto das percepções morais engendra a família e a cidade (Política, I, 2, 1253 a, 15).

 

         A comunidade política não se confunde, porém, com o gregarismo animal, pois enquanto este é determinado pelo instinto, aquela visa ao bem:

 

toda cidade é uma forma de comunidade e toda comunidade é constituída tendo em vista determinado bem (Pol., I, 2, 1252 a).

 

É peculiar ao homem, em relação aos outros animais, ser o único a ter o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e outras noções morais; e esses sentimentos engendram a família e a cidade (Pol., I, 1252 a 15).

 

         De qualquer forma, nem o gregarismo animal nem a comunidade humana são frutos do acaso ou de uma disposição de vontade. São dados da natureza.

 

É evidente que a sociedade política é uma das realidades que existem por natureza e que o homem, também por natureza, é um animal político (Pol., I, 2, 1253 a 15).

 

         Na natureza humana essa exigência resulta já da bissexualidade que determina a formação da família e, em seguida, do vilarejo.

 

         Pressionada pela causalidade eficiente da sexualidade, a comunidade humana tem como causa final a busca do bem de seus integrantes:

 

não é só a vida em comum em um determinado local, estabelecida para impedir injustiças recíprocas e favorecer as trocas (Pol., III, 9, 1280 b, 30)

 

que explica a vida comunitária,

 

mas a busca da felicidade para as famílias e os grupos de famílias (...); fim do Estado é a felicidade, é viver para ela e para a virtude (Pol., III, 9, 1280 b, 34-40).

 

Faltou-lhe, assim, aprofundar a visão do bem comum.

 

Aristóteles sustenta depois o princípio da igualdade entre os iguais por natureza (todos os cidadãos) e da desigualdade entre os desiguais por natureza. Nesse quadro ele separa o chefe de família, superior à mulher, aos filhos e aos escravos.

 

Cidadão é aquele que participa das funções públicas (Pol., III, 1, 1275 a, 30).

 

O homem é, por natureza, superior à mulher – é o dominante – e ela é o elemento subordinado (Pol., I, 5, 1254 b, 14);

    

O homem difere do bruto, por natureza escravo, ao qual é preferível estar sujeito à autoridade de um senhor (Pol., I, 5, 1254 b, 15).

 

Por natureza alguns homens são livres e outros escravos (Pol. I, 6, 1255 a).

 

         Na organização do governo (Pol., IV, 3, 1289 b, 30), rejeitava a monarquia por seu risco de transformar-se em tirania, assim como rejeitava aquilo que Platão chamara de democracia e ele de demagogia e optava pelo que designava por democracia ou governo de todos, apesar de reconhecer o risco de ela descambar para a demagogia.

 

Entre as formas monárquicas de governo, chamamos reinado aquela que está voltada para o bem público; quando a autoridade é exercida por um pequeno número (maior do que um), é a aristocracia, assim chamada porque são os melhores (aristoi) que mandam, ou porque têm em vista o maior bem para a cidade ou seus membros; quando a massa governa para o bem de todos, chama-se república (politeia) e constitui um bem por natureza (...) As degenerações dessas formas são a tirania em relação à realeza, a oligarquia em relação à aristocracia e a demagogia em relação à república. A tirania é uma monarquia que visa ao bem do monarca, a oligarquia visa ao interesse dos ricos, a demagogia ao bem dos pobres – nenhuma delas visa ao bem do público (Pol. III, 7, 1279 a, 35).

 

A fim de evitar esse risco, preconizava o governo que respeitasse a liberdade de todos.

 

Há regime popular quando soberanos são os homens livres dirigem os negócios públicos e oligarquia quando são os ricos que o fazem (Pol., IV, 4, 1290 b, 40).

 

         Aristóteles não se escusa de examinar os méritos, as condições e os limites da democracia que proclama como forma ideal de governo (Pol., III, 11 1281 a-b), desde que respeitada a liberdade dos cidadãos.

 

         Seis capítulos do Livro II da Política têm por objeto criticar e rejeitar, com veemência a sociedade comunista de Platão (comunidade de mulheres, de filhos e de bens).

 

         O conceito de Estética, em Aristóteles, engloba a Retórica e a Poética.

 

A retórica ou arte da oratória é a transformação do agir (moral ou político) no agir estético; a oratória assemelha-se às artes como a poesia, a pintura, a escultura e a música. Não é uma ciência exata, como a matemática nem simplesmente uma atividade empírica. Seu objetivo é persuadir, analisando provas.

 

A Poética é outra obra inconclusa. Seu objeto principal é a poesia (na qual estão inclusas a tragédia e a epopeia), mas também a música. Seu objeto central é a mimese, ou imitação, representação da realidade, para desvelar a beleza das coisas.

 

Essa imensidão e profundidade dos trabalhos de Aristóteles fizeram dele o grande gênio grego e quiçá o grande gênio da humanidade.