Diálogos


O POSITIVISMO JURÍDICO

 

- Algo mais sobre o Direito?

- Ah! Eu tinha realmente esquecido, e completamente, a minha tese de concurso sobre o Imperativo Jurídico na Escola de Bordeaux. Interessante, há dias esteve aqui o Ruy com o Dr. Galvão de Souza. Entre várias considerações, o Ruy me disse:

- Preciso lhe contar uma novidade: eu tenho um trabalho sobre o positivismo jurídico que você não conhece.

- Qual é? Perguntei-lhe.

Então ele disse, não para mim, mas para o Dr. Galvão de Souza.

- A única pessoa que ouviu esse trabalho fui eu, porque ele leu para mim.

Foi mesmo. O Ruy vinha aqui em casa, como continua a vir, quase todas as semanas.

Quando chegava, perguntava:

- Qual é a novidade?

A novidade que ele buscava era, cada vez, um capítulo novo. A tese tem quatro capítulos. No primeiro, analiso matéria geral sobre o pensamento positivista e a projeção desse pensamento em Duguit. No segundo, a posição assumida por Duguit, como o primeiro jurista que, dentro de uma coerência total com o positivismo, quer projetar as conquistas desse positivismo na área do Direito, inicialmente com base na lei da solidariedade, que eu analiso, exponho e critico, de­pois com base na idéia de Justiça. Analiso, então, o que a solidariedade pode dar e o que a Justiça pode dar para a conceituação do imperativo jurídico. No último capítulo, analiso o imperativo em si.

Foram esses, aliás, os germes, os embriões dos quais partiu, por minha sugestão, o meu assistente Jacy Mendonça, para escrever a tese dele sobre Fundamentos do Imperativo Jurídico. Eu disse a ele:

- Olhe, essa matéria eu lhe aconselho, porque essa eu não analisei, não pude analisar, pois estava endereçado para a Escola de Bordeaux. Mas há outras formas de fazer a fundamentação do imperativo, de natureza emocional, de natureza afetiva, que não são propriamente objeto da minha análise. Quem sabe, essa face que eu não abordei, você aborda e completa o meu trabalho.

Foi o que ele fez.

- Voltando ao positivismo. O senhor abriu um ano letivo na Faculdade, lendo parte de sua tese sobre o positivismo? Não é verdade?

- Foi da tese de concurso. Eu li um capitulo. O responsável por aquilo foi o Dr. Simmch, pai do Chico.

 

A propósito, eu não me esqueço de quanto intervieram no meu concurso. Os editais estavam publicados, e eu estava inscrito, quando me deram a notícia de que ia ser constituída a Universidade e todo o corpo docente das Faculdades seria considerado novo, não havendo, nesse caso, necessidade de concurso. Apelei para o Simmch e fui até o Palácio fazer um apelo ao Flores da Cunha. O Flores reagiu naquele jeitão dele.

- Quem é que vem pedir para fazer concurso? O Dr. Câmara? E os outros? Em que situação o senhor vai deixar os outros... eles também querem ser professores, mas não estão dispostos a fazer concurso nenhum. Tenha pena dos outros!

Aboliram o concurso, e eu resolvi renunciar também à prestação de provas.

Mas aquela tese é um compromisso. A parte inicial era uma sumanta, em linguagem de coxilha, uma chicotada violenta no positivismo como o responsável pela deturpação do mundo jurídico, pelo empobrecimento do universo jurídico.

- Assim como ocorreu em relação ao comunismo, sua batalha contra o positivismo foi ininterrupta.

                        - O tema do positivismo era e continua sendo importante. Malgrado a mediocridade da produção filosófica de Comte, a repercussão da sua mensagem foi grande pelas circunstâncias históricas em que foi lançada, porque estava constituída uma mentalidade européia, que teve nele o seu intérprete. Ele foi o intérprete de uma mediocridade. E essa mensagem continua, por falta de reações críticas do pensamento filosófico europeu.