Diálogos


A FILOSOFIA NA REALIDADE NACIONAL

 

- Dos anais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul consta um trabalho seu sobre a Filosofia no Brasil.

- Numa aula inaugural, na Faculdade de Filosofia, eu analisei A Filosofia na Realidade Nacional, tratando do silêncio da voz filosófica em nossa cultura. Discordei então das posições de Tobias Barreto, Farias Brito e do Padre Leonel Franca, fazendo um estudo de sociologia do saber filosófico.

A conferência foi sobre os condicionamentos sociais, psicológicos, raciais e até o que podemos chamar de ideológicos, porque, no despertar de uma consciência filosófica, o sujeito está sempre dentro da ideologia de uma comunidade.

Analisei, por exemplo, o protestantismo nos Estados Unidos e o catolicismo no Brasil. O protestantismo lá parece mais apto para despertar a consciência filosófica, porque criou o pragmatismo. Ele é, na verdade, uma justificação que faz a consciência de homens empenhados em construir uma grande civilização como a Norte América; é uma tentativa de justificar a sua ação. Tendo perdido a fé, não tendo tido os fundamentos católicos, para justificar a operação civilizadora, buscaram uma Filosofia. O pragmatismo é a resposta à exigência do animal racional norte-americano às suas posições, à sua forma de ver a vida. Aqui no Brasil, parecia que a Igreja tinha feito um amolecimento cerebral. Falava-se que isso é uma prova de sua pujança, porque o homem descansava nas grandes certezas dos Evangelhos e quando, devido às circunstâncias, resolve dirigir-se às circunstâncias, resolve dirigir-se à Filosofia, para fazer, não um trabalho de criação, mas de fundamentação das suas certezas religiosas. Por isso, a Filosofia teria nascido aqui... Na verdade, o positivismo foi uma coisa anômala, importada, artificial. Os verdadeiros pensa­dores do Brasil foram católicos, que tentaram, no exercício de sua consciência e cultura filosófica, a justificação de sua fé , abalada por importações de ideologias européias positivistas, kantianas e outras. Basta ver que as primeiras Faculdades de Filosofia foram fundadas pela Igreja. Ela foi a grande disseminadora do pensamento filosófico.Ela semeou o Brasil de Faculdades de Filosofia, o que mostra a sua aptidão para estimular o pensamento filosófico.

O Tristão de Athayde tinha escrito sobre a obra de Farias Brito e provocou minha reação. Fui obrigado a discordar, como disse, do Farias Brito, do Tobias Barreto e do meu querido Leoned Franca, que estava na companhia do Athayde.

A tese que eu quis analisar era da existência da aptidão filosófica no espírito brasileiro, ao contrário da afirmação de que o brasileiro não tem cabeça filosófica. Isso é uma boutade, porque, então, ele seria um irracional. A filosofia resulta da racionalidade.

- Mas o senhor não acha que o brasileiro é mais apto para o concreto, para a Filosofia prática do que para a Metafísica?

- Pela sua fidelidade à Igreja, sim. A Igreja lhe dava motivação para ser construtor de uma civilização nova, original. Os americanos, com a mesma idade histórica que nós, perderam com o luteranismo subjetivista e instável. O protestantismo não lhes dava uma estabilidade ideológica. Eles perderam as certezas fundamentais. Tinham, então, que construir uma Filosofia que confirmasse a obra que estavam fazendo. Daí o pragmatismo.

- Não se deu a mesma coisa com o brasileiro?

- O esforço que o brasileiro realizava de construir uma civilização era um esforço motivado e justificado pelas certezas católicas que guardava no espírito. Não significa isso que a Igreja tenha paraIisado a inquietação filosófica do homem, o trabalho de construção filosófica do homem. Não. Tanto que ela se revelou presente, em de­terminado momento. Quando veio a infiltração, por osmose, da Filosofia de Kant, da Filosofia de Comte, da maçonaria e todo esse tu­multo ideológico, foi ela a disseminadora maior dos estudos filosóficos. A criação das Faculdades de Filosofia se deu pela mão da Igreja. Quando ela se sentiu agredida nos seus fundamentos, nas suas teses, nas suas certezas, fez a afirmação crítica, através de aparelha­mento e instrumento próprios, que são as Faculdades de Filosofia.

- Há quem afirme que a língua portuguesa não dispõe de re­cursos para a ontologia...

- Pois eu acho a língua portuguesa mais apta filosoficamente do que a espanhola, embora reconhecendo que, na Espanha, o trabalho filosófico tenha sido muito maior. Talvez a proximidade de Roma e, talvez ainda, a mensagem árabe o expliquem. Além disso, os espanhóis mantiveram relacionamento mais profundo com as cabeças filosóficas do Islã, cabeças metafísicas, teóricas. Santo Tomás tomou daí magníficos depoimentos. Sêneca nasceu na Espanha, trabalhou na Espanha, escreveu na Espanha...

- Qual a temática que o ocupa no momento?

- No momento, estou desenvolvendo, na Faculdade de Direi­to, uma tese sobre a normatividade ontológica e a ontologia do normativo. São temas que se aproximam de assuntos que tratamos nesses encontros: a relação e a ordem. A relação está no ser e ser é ordenamento. Daí surge a lei.