Discursos


A PAZ E A ORDEM1

 

Na definição agostiniana, a paz é a tranqüilidade na ordem. Descobrir ou criar a ordem é incoercível vocação do espírito. E a verdade - supremo em que apetece a inteligência - é, tão só, ordenação da idéia ao objeto da razão à realidade. A verdade é paz para a inteligência, porque nela estabelece a ordem.

A vocação do sábio é, pois, uma vocação ordenadora das idéias que traduzem a realidade e refletem a ordem natural ou ideal das coisas.

Sr. Embaixador, será outra, essencialmente, a vocação do autêntico político, do estadista, do diplomata? Não será, sua destinação, descobrir e realizar, no mundo da vida nacional e internacional, as verdadeiras relações ordenadoras do convívio humano, as que, por emergirem dos dados naturais e dos valores imperecíveis do espírito, são as únicas que possibilitam a paz social?

Eis porque, sábios que descobrem e comunicam, filósofos que pensam e revelam, professores que, apaixonadamente, ensinam a verdade e, assim, ordenam o mundo da inteligência, atendem a mesma elementar vocação dos estadistas, dos diplomatas que, como V. Ex­cia., visionam e plasmam as relações naturais e ideais entre as pessoas e os Estados, e, assim, ordenam o mundo da ação humana.

São eles, em comum, artífices dessa tarefa que o gênio grego definia como a suprema missão do homem, a que o faz colaborador de Deus, pois nela repensa e realiza o pensamento incriado, imanente no Cosmos: descobrir e plasmar a ordem natural da vida para, assim, pacificar o mundo das idéias e o mundo da ação, o universo interior e o universo exterior.

E essas formas de vida - a vida que é ação e domínio das coisas, a vida que é contemplação e anseio explicativo do mistério, a vida que é consciência moral, retidão interior e domínio de nós mesmos, não serão prelúdios dessa outra forma suprema de vida, que é amor e que é oração, que é conquista da plenitude da paz, pela comunhão com o autor de toda ordem, que é Deus?

Sr. Embaixador, sábios, mestres, artistas, políticos e ascetas são, todos, artífices da paz, pois buscam descobrir e realizar a ordem ­a ordem no plano das idéias e da sensibilidade, a ordem no mundo social, a ordem no reino da consciência, no universo moral.

Eis, em princípio, Sr. Embaixador, a justificação da outorga que lhe fazemos, nesta hora, do título de Professor desta Universidade.

Diplomata, V. Excia. busca realizar, nas relações internacionais, a mesma ordem que nós, obscuros homens de ciência, procura­mos revelar no âmbito das relações naturais.

Somos assim essencialmente colegas, realizando, em comum, uma tarefa docente: dizer e realizar a ordem. Diplomata, V. Excia, para realizar a paz entre as nações, busca estruturá-la sobre a ordem integral da vida; professores, homens da ciência, para descobrir e comunicar a verdade e, assim, pacificar as inteligências, buscamos dizer, igualmente, a ordem natural do ser, nossa comum profissão de fé na existência da ordem, faz-nos professores de paz - de paz nas relações entre os Estados e da paz nas relações entre as idéias e as coisas.

Mas, Sr. Embaixador, outorgando-lhe o título que lhe conferimos não o definimos, tão só, como um simples colega. Nessa outorga, a Universidade de Porto Alegre o faz seu Professor honoris causa e, assim, qualifica, com precisão e justiça, toda a fecundidade, social e histórica, do magistério político internacional que exerce V. Excia., toda a força criadora de sua ação docente na ordem mundial, de seus gestos de artífice, singular e vigoroso, da construção da nova ordem humana.

Excelência, a humanidade que visionamos, a humanidade que vem, para ter paz deverá fundar-se na aceitação da ordem, isto é, não poderá, como o mundo atual, contrariar os dados na natureza integral do homem e desprezar vinte séculos de influxo transfigurador do fermento evangélico trabalhando a História.

Através desta Universidade, expressão mais autorizada de sua cultura, o Rio Grande do Sul, cônscio do acerto de sua eleição, neste momento, investe V. Excia. na magnífica tarefa de defensor, junto à Assembléia das Nações Unidas, órgão da consciência política mundial, de seus mais altos ideais de construção de uma ordem humana e internacional mais justa, mais livre e mais cristã, de uma humanidade modelada pelos imperecíveis valores da civilização ocidental, única que poderia criar a paz dos homens livres, preservar o ideal democrático e concretizar as aspirações de liberdade e de justiça, que marcam a destinação histórica da América.

Sr. Embaixador Oswaldo Aranha, o Rio Grande tem sobradas razões para confiar, ao seu talento e ao seu destemor, a defesa da li­berdade do mundo, ameaçada pela noite que vem do oriente, seduzida pelo chamamento da barbárie e agredida pela tentação da psicose escravizante das estepes russas.

Senhor Embaixador, passo às mãos de V. Excia. o título de professor honoris causa que lhe foi conferido pelo Conselho Universitário desta Universidade.



1 Saudação proferida pelo Reitor da Universidade de Porto Alegre, Prof. Armando Câmara, quando conferiu ao Sr. Oswaldo Aranha o título de Professor Honoris Causa.