Discursos


A UNIVERSIDADE ENSINA1

 

Eminente Professor Boerger.

A Universidade do Rio Grande do Sul orgulha-se de inserir vosso nome ilustre no quadro de seu corpo docente. Aliás, neste ato universitário, apenas formalizamos juridicamente uma situação de fato. Há muito, em verdade, sois através da opulência científica de vossas obras, mestre de muitos dos mestres desta universidade.

Sois um autêntico e puro exemplar de sábio. Realizastes, fecundamente, essa maravilhosa aventura da inteligência em busca da explicação, que dá ao homem a posse da sabedoria científica e filosófica. Possuis, em plenitude, os mais específicos atributos do espírito científico em seu afã de, pela observação, pela pesquisa experimental, por sua força construtiva de hipóteses e teorias, iluminar aspectos da vida, expressões da realidade, ainda envolvidas pela opacidade do mistério, ainda situadas na zona noturna do ser, ainda não batidas pela luz da explicação.

Sábio consagrado no terreno da genética vegetal, sois, assim, professor de todos os que buscam devassar a escuridão da hereditariedade. Se nos empolga o espetáculo das conquistas de nossa investigação científica, encanta-nos, sobretudo, vossa esplêndida vocação de mestre, que se revela na fina urdidura pedagógica de vossos trabalhos já, hoje, clássicos. Investigações Agronômicas e Conselhos Metodológicos constituem vigorosas expressões dessa vocação docente. As­sociais, assim, à paixão da descoberta e da elaboração da cultura, própria do sábio, o amor da comunicação do saber, que caracteriza a tarefa do mestre.

Confesso-vos, sem lisonja, que lendo vossa obra Conselhos Metodológicos, experimentei algo da emoção intelectual que me inspirou a leitura da Introdução à Medicina Experimental, de Claude Bernard. Admirei, em seu autor, o cientista experimentador dublê de humanidade, inspiração no mais puro e integral humanismo.

Estais preocupado em integrar a imagem parcial dos problemas em que sois especialista consumado, no quadro de uma visão integral da vida humana. Sob esse aspecto, vossa obra é um cristalino modelo de itinerário para o pensamento contemporâneo, que padece da especialização mutiladora e do cientificismo empobrecedor.

Sublinhais em vossos Conselhos Metodológicos esta verdade salutar - que a ciência é obra não apenas da inteligência, mas da totalidade das energias que integram a pessoa humana. E, a exemplo dos grandes sábios humanistas, com modelar honestidade intelectual, apontais, com eloqüência cheia de convicção, para os limites da explicação científica e para a necessidade de superá-los, pelo uso de uma metafísica integradora do pensamento no invisível universo dos supremos valores da vida. Vosso espírito não se satisfaz, assim, com induções elementares que conduzem a explicações parciais; busca a realização das supremas induções. Conjugais, em ritmo exemplar, as exigências da análise científica com os reclamos da síntese filosófica.

Eminente Professor, outorgando-vos o título de seu Professor honoris causa, a Universidade excita, em vossa pessoa, a grandeza da vocação do sábio e confessa sua fé nos valores cuja existência condiciona e explica essa vocação.

E a Universidade, assim, cumpre sua destinação - ensina. Ela, com esta homenagem, faz, perante seus discípulos, o elogio da atitude contemplativa que, para o gênio grego, era a postura humana em que se processa a culminação dos supremos fins da vida, a divinização do pensamento que, imergindo no supremo mistério, se faz orante.

E este elogio dos que são fiéis à sua condição de seres racionais, dos que ainda sabem olhar o mistério do ser, para compreendê-­lo, para explicá-lo, dos que sabem tocar o divino dom da existência, com mãos orantes, é oportuno, necessário mesmo, neste transe histórico em que, não sei se transviadas correntes do pensamento ou pato­lógicas tendências instintivas, profanam a vida, renunciando, imbecilmente, explicá-la e adorá-la, para tão só utilizá-la, em suas expressões biológicas e elementares.

Nesta hora de black out de supremas evidências, é bom afirmar o valor positivo de vidas e de obras, como vossa vida e vossa obra, que são revelações luminosas da vocação humana para a verdade, para o bem, para a beleza, para o absoluto enfim.



1 Palavras proferidas pelo Prof. Armando Câmara em 5.10.1948, Reitor Magnífico, ao ser conferido ao cientista uruguaio Prof. Alberto Boerger o título de Professor Honoris Causa da Universidade do Rio Grande do Sul.